Contos malucos do Mal'ak
domingo, 17 de julho de 2016
A velha Terra, um novo mundo e mais alguns.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Cronicas da Cabeça Adicional, Reflexões Filosóficas de um Gigante Bicéfalo.
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Viagem ao fundo do Deserto.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Revelações e Dúvidas
Outubro de 2007
Quando se está a 2400 metros acima do nível do mar, algumas coisas bem simples tornam-se extremamente diferenciais. Um exemplo, o oxigênio, que nesse ponto extremo do planeta é bem menos concentrado do que no lugar onde você está agora, sentado lendo essa carta. A umidade extremamente baixa é outro complicador, mas agora não faz calor, são cinco da tarde e a temperatura está amena. Mas em duas horas mais ou menos, ela cairá a 0º C. Agradabilíssimo.
Apesar da paisagem desolada, uma planura de sal até onde a vista alcança, entrecortada por algumas estradas e montanhas ao fundo, eu sempre gostei daqui. Quase não chove, muitas vezes as gotas da chuva evaporam antes de tocar o chão. Mas faz muito tempo que tive aqui. Da ultima vez eu ainda era um adolescente, recém-iniciado na tradição do Clã. Eu e meus pais viemos até aqui, um ponto de encontro com nossos ancestrais que não estão mais ativos. Quando minha Mãe deixou o Clã, eu sempre soube que era nesse deserto que eu a encontraria. Quando vim aqui a primeira vez vi o deserto florir, algo raro que acontece uma vez por século, se muito. Naquela época faziam mil e quatrocentos anos que não chovia.
A pequena cidade de São Pedro do Atacama é bem movimentada. É a cidade mais alta da região e uma das mais elevadas do mundo. Apesar de pequena é o ponto de encontro dos mais variados tipos de pessoas, de mochileiros a motociclistas aventureiros, de astrônomos a ufólogos, de físicos a místicos. A noite sempre tem seus encantos e atrações, mas prefiro procurar por uma velha conhecida, dona de um pequeno boteco em um beco escuro e empoeirado. Nesse ponto as construções são rudimentares, a maioria de barro batido. Andando calmamente eu vejo a placa pendurada “Fim da Linha”. Abro a porta velha, que reclama ruidosamente ao ser movida e uma sineta velha e desafinada badalando e avisando a chegada de mais um cliente, não que houvesse algum.
_Quem me incomoda?_ Ouço uma voz muito aguda e estridente resmungando. _ Você sabe que hora é essa? Seu fedelho maldito, não é educado acordar uma Anciã nessa hora.
_Desculpe meus modos rudes e a chegada inesperada, mas como você mesma me disse que eu era como um neto para você e preciso de um prato de comida e uma cama, pensei que não me negaria isso, Vovó Cassiopéia.
A velha baixinha e carcomida pelo tempo deixa sua carranca mudar para um sorriso alegre, franco e sem muitos dentes. Como eu disse, faz muito tempo desde que estive aqui a ultima vez, se não me engano naquela época estavam começando a construir o simpático Gigante do Atacama.
_Venha cá menino, quero dar uma boa olhada em você, quando te vi pela última vez você ainda cheirava a leite e usava aqueles trajes horríveis feitos com lã de alpaca. _Dizendo isso ela me abraçou e depois acariciou o meu rosto. E é onde menos se espera que se encontra respostas, a sensação de alegria causada pelo reencontro com um ente querido é algo realmente desconhecido pra mim. Gostei dessa descoberta. _Vá tomar um banho enquanto eu preparo uma boa sopa de feijão, carne seca e pimentas pra você.
Relaxar era um luxo distante e exótico pra mim, mas aqui eu poderia fazer isso. Vovó Cassiopéia é a ultima representante das Kinichi-Ahailas, mulheres com capacidade metamórficas, podendo assumir duas ou até três formas diferentes da sua forma original. Para onde suas irmãs foram, ela nunca diz, mas a Vovó atualmente já não assumia mais suas outras formas. A única coisa que ela me disse sobre seu povo é que eram filhos da divindade inca do sol e que ela mora aqui porque se esconde dos “Devoradores” dos quais ela tem se escondido por mais de quatro mil anos.
A água quente lavou mais que a sujeira do meu corpo, levou embora a preocupação da minha mente e finalmente experimentei a sensação de relaxamento completo. Acho que fiquei uns quarenta minutos debaixo do chuveiro, quando finalmente sai e me vesti ouvi o barulho da Vovó na cozinha e ao abrir a porta o cheiro que invadia a casa me fez lembrar de outra coisa, eu tinha fome e muita. O jantar foi silencioso, mas a comida era a mais saborosa que eu já comi. Não falamos durante o jantar, uma vez que qualquer assunto iniciado levaria dias, ou quem sabe muito mais que dias, para ser terminado. Nós dois possuímos nossos modos de obter informações sem a necessidade de diálogo direto. Ao final do jantar, ela me mostrou o quarto onde eu dormiria. Adormeci instantaneamente.
Quando despertei, ouvi uma voz que me enviou diretamente às minhas lembranças mais antigas e doces. Era a voz de minha Mãe. Tentei correr, mas ainda recém desperto, acabei caindo da cama e me enrolando nas cobertas. Quando me livrei daquele casulo felpudo, e abri a porta do quarto ouvi o som de um carro saindo e a voz da Vovó do lado de fora da casa, dizendo, “Boa viagem e boa sorte”.
Quando cheguei a entrada do bar, vi a Vovó limpando o balcão.
_Você dormiu demais, achamos que você estava doente. Sua Mãe ficou ao seu lado por três dos quatro dias em que você dormiu. _Ela informou.
_Eu dormi por quatro dias? Mas como? _Não havia motivo, eu não fico doente.
_Sua mente estava no limite da sanidade, da razão e da lucidez. Nós que podemos viver muitos séculos, sofremos... “ataques” desses males. Você estava muito preocupado. Sua mente estava muito congestionada, muitos questionamentos e preocupações. Isso estava começando a consumir você completamente.
Ao longo da minha extensa vida aprendi a não questionar a sabedoria dos mais velhos, não que restassem muitas pessoas mais velhas que eu nesse mundo. Fiquei refletindo sobre o que a Vovó acabara de dizer, como uma criança que mastiga uma salada meio amarga. Enquanto isso a Vovó procurava alguma coisa dentro de uma gaveta, no balcão do bar. Depois de cinco minutos ela me entregou uma carta sem remetente endereçada a mim e uma caixa, do tamanho de uma caixa de sapatos, embrulhada em um pedaço fino de couro.
_Sua Mãe pediu que eu lhe entregasse isso, meu jovem. Leia a carta antes de abrir a caixa, pois uma explica a outra.
Abri a carta com cuidado e comecei a ler, eu gostaria de ter lido com calma, mas a cada palavra que eu lia, mais curioso eu ficava e mais velocidade a leitura ganhava. Tive que ler a carta quatro vezes. Por fim abri a caixa, retirei a fita de couro que a prendia e removi a tampa. Quase não acreditei no que vi. Dentro da caixa havia uma chave velha de prata polida, algum papel enrolado e uma flauta rudimentar esculpida em osso de alguma coisa. A chave e o papel não me chamaram a atenção em nada. Mas a flauta era um presente que eu tinha feito pra minha Mãe, nem me lembro quando e agora ela havia me devolvido.
Quando examinei o papel enrolado, descobri que na verdade eram duas folhas papel finas. O primeiro era um mapa manuscrito, mas de uma precisão de beleza incríveis. A segunda era um “guia” de como seguir o mapa e desviar de possíveis armadilhas no caminho. A localização desse local foi esquecida por todos, mesmo os membros do clã. A guardiã desse lugar era minha Mãe, chamada Memória. Era hora de conhecer mais segredos e mergulhar mais fundo numa história que a História não registrou.
Próxima parada, Cidadela do Inicio, perdida em algum lugar do deserto.
quarta-feira, 20 de abril de 2011
O primeiro conto.
O fim de um trabalho difícil.
A vista noturna da cidade de São Paulo é maravilhosa. Poder observa-la com meu próprio ponto de vista é algo que experimentei por poucas vezes. Apesar da garoa fina e fria que cai, nessa noite de julho, não sofro nenhum prejuízo no espetáculo de cores e luzes, cheiros, sentimentos e pensamentos. Esse é meu premio por mais um trabalho bem feito. Um favor prestado a um homem. Uma família salva da ruina, uma empresa salva da falência e um grande exemplo a ser dado para a sociedade.
Ele gerenciava um setor estratégico de uma operadora de cartões de crédito. Sofreu um grave acidente de carro, após chegar em casa bêbado e furioso por ter demitido metade dos funcionários de um setor. A raiva e o álcool acabaram por inflamar uma grande briga em casa, ele agrediu os filhos e a esposa, saiu de casa dirigindo em alta velocidade e colidiu com um caminhão de quatro eixos. Ele morreria, se nós não tivéssemos interferido. E isso foi ha 20 anos atrás.
Ele ficou gravemente ferido e preso nas ferragens retorcidas e sofreu queimaduras profundas. Um de meus irmãos, o Caçula, acionou a policia, os bombeiros e o resgate. Não existem registros de chamada telefônica para eles, os condutores das viaturas acharam que deveriam passar por aquela rua. Assim chegaram ao ponto do acidente. Coincidência ou conveniência?
Enquanto o resgate vinha com a velocidade da casualidade, os Trigêmeos removeram a Ele de dentro da massa retorcida de ferro e resíduos queimados que eram o resto do seu carro. Feita a remoção os Trigêmeos prestaram os primeiros cuidados e realizaram as primeiras cirurgias ali mesmo. Após os sinais vitais d’Ele estarem mais estáveis, conduziram-no para a Santa Casa de Caridade, onde seria realizado o tratamento e a reabilitação. Nossa Prima cuidaria dos cuidados e da reeducação psicológica e filosófica de nosso “afilhado”
Eu sou o mais velho, responsável pelo inacreditável, assumir as atividades d’Ele e não deixar que sua presença fosse esquecida. Eu sou o agente da mudança, quem mostra o rumo que a vida dele vai tomar e guia o trabalho da minha Prima, para que quando Ele volte ao seu lugar de direito não existam contradições, dúvidas e outras fraquezas similares que seriam indícios de nossa presença. Uma das minhas habilidades mais interessantes é a induzir as pessoas a me enxergarem como eu achar mais adequado, ou a não me enxergarem. Outra habilidade muito conveniente é a de conectar com a mente d’Ele e absorver os traços fundamentais de sua personalidade, além de fornecer a ele todas as lembranças e sensações que eu tenho por ele. Infelizmente nem tudo são flores, enquanto o vinculo for ativo, eu fico desprovido dos sentidos do tato, paladar e olfato. Ou seja, todas as sensações mundanas que fazem os humanos serem humanos não existem pra mim.
Foram vinte anos felizes, Ele mudou sua conduta como pai e marido, fortalecendo a família e propiciando aos filhos um ambiente extremamente saudável para o crescimento e à esposa uma vida conjugal estável, afetuosa e duradoura. Como gerente de uma parte estratégica da empresa inovou sempre que foi necessário, tomando decisões perfeitamente equilibradas e que acabaram por conduzi-lo a um merecido cargo de diretor geral da empresa no Brasil. A história de como escapara ileso de um acidente que deveria ter sido fatal e todo o processo de reflexão e mudança que isso gerou em sua vida, fizeram dele um exemplo de superação. Ele está escrevendo um livro e preparando a defesa de seu segundo doutorado. Um homem incrível de fibra extraordinária. Vinte anos felizes e bem sucedidos. Para Ele.
Pra mim foram vinte anos de intensa meditação e autocontrole. Amei uma mulher que nunca foi minha , gerei filhos que não me conhecem, fiz amigos fieis. E todas as emoções que essas experiências geram, eu assisti de perto e não experimentei alguma. Não fui nada mais do que um “transmissor” do que acontecia enquanto eu vivia a vida d’Ele. Mas por fim, ele ficou totalmente recuperado e pronto pra receber alta.
Os jornais noticiaram uma notícia diferente na manhã de hoje. “Homem ‘anônimo’ que passara vinte anos em coma acorda e some algumas horas depois” e enquanto a Prima o reconduzia a sua casa. Ele havia viajado a trabalho e estava regressando para tirar férias.
Após o espetáculo visual que a cidade de São Paulo sempre proporcionou eu entrei mais uma vez em meu antigo apartamento. Após um banho quente eu me demorei observando um rosto quase estranho pra mim. O meu. Era chegado o fim do meu período de serviço. Depois de três séculos “remendando” alguns buracos ao redor do mundo, eu havia me demitido. Queria saber como é que uma pessoa vive. Mas não deixei de ser quem sou, em essência. Espero que minha demissão seja bem aceita. Senão, começa mais uma brincadeira de gato e rato.